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A Redenção como Ciclo Consciente

Dia desses ouvi um padre exorcista dizendo que suas experiências lidando com essas situações, levaram-no a compreender que a pessoa que estaria possuída, teria de alguma forma realizado a comunhão sem antes ter se confessado. Essa declaração me fez entrar em uma reflexão mais profunda sobre o que de fato acontece em uma confissão.  Na minha percepção, no caso da religiosidade usar isso com ferramenta, existe uma intencionalidade de controle através do medo e da culpa. Mas refletindo mais profundamente nessa questão, outras culturas também valorizavam de alguma forma, o ato desse reconhecimento do erro como um caminho o que me levou a pensar quais dispositivos psicológicos, sociais, espirituais entram em ação quando de fato assumimos nosso erro? Fui criado em uma cultura que, com frequência, encara o erro como um desvio a ser punido, esquecido ou escondido. Desde a escola, aprendi que errar é fracassar, mas percebi, já adulto, enquanto professor de capoeira, que talvez o erro seja, ...
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A Quem Interessa o Esquecimento?

Muitas vezes ouvimos que esquecer o passado é um ato de libertação. Em círculos espirituais, filosóficos, terapêuticos, é comum que nos digam que precisamos desapegar da dor, compreender que as pessoas que nos machucaram agiram a partir de suas próprias limitações e, portanto, devemos apenas soltar, virar a página, agradecer pelo aprendizado. Mas eu questiono profundamente esse discurso.  Esquecer, por não ser um ato conscientemente induzido, pode ser apenas um autoengano, abrindo espaço para que uma dor mal resolvida continue agindo, no fundo, como um veneno silencioso. Se expandirmos esse raciocínio para o coletivo, vemos que também existem forças interessadas em que esqueçamos. Quando Rui Barbosa mandou queimar os registros da escravidão no Brasil, ele não estava apenas apagando papéis; estava cortando o fio que ligava gerações ao reconhecimento de quem sofreu, quem lucrou e quem deveria ter sido responsabilizado. A comunidade negra diaspórica carrega as cicatrizes de séculos de...

Limites entre a espiritualidade e a manipulação

 Algumas experiências são tão intensas que desafiam qualquer explicação simples. Entre espiritualidade e saúde mental existe um campo cinzento, quase indistinguível, onde as perguntas não encontram respostas definitivas. O que separa uma manifestação espiritual genuína de um surto psicótico? Quem garante que uma mensagem canalizada por um médium não é, na verdade, uma expressão inconsciente de seus próprios traumas? E mais: como identificar quando o cuidado espiritual se transforma em manipulação emocional? Passei por isso, e sei que muitos passam. A manipulação pode ser explícita ou sutil, consciente ou não, mas o que importa, no final, é o impacto que ela causa: sofrimento. Há algo particularmente perigoso quando esse jogo ocorre em contextos espirituais, porque a promessa de transcendência, cura ou evolução pode cegar as vítimas, tornando-as ainda mais vulneráveis. É um terreno fértil para líderes espirituais, sacerdotes, oraculistas e terapeutas holísticos que — mesmo sem más ...

Quando o Buda é empurrado de volta ao palácio...

O espaço para o debate tem se estreitado à medida que as bolhas afetivas e ideológicas se fortalecem. Não se trata apenas da dificuldade em lidar com opiniões divergentes, mas de um enfraquecimento na escuta ativa e no esforço genuíno de compreensão. Grupos privilegiados raramente demonstram interesse para rever suas posições, enquanto os grupos historicamente oprimidos, estão exaustos em ter que continuar a chamar a atenção para o que está ocorrendo. As bolhas funcionam como proteção emocional, mas quando endurecem, transformam-se em muros que dificultam a construção de sentidos comuns. Há uma hierarquia social sustentada por estruturas como o patriarcado e o capitalismo, que concentram poder em uma minoria — geralmente homens, brancos, ricos, cis e heterossexuais — e empurram para a base grandes contingentes de pessoas negras, mulheres, pobres, LGBTQIAPN+, povos indígenas e outras populações marginalizadas. Essa desigualdade não é apenas material, mas produz realidades de vida profun...

Ciência, crença e os caminhos do meio

 Vivemos em um tempo em que a informação está amplamente disponível, mas nem sempre acompanhada de discernimento. Com isso, cresce tanto o ceticismo excessivo quanto o misticismo descontrolado. Neste cenário, levantar um olhar equilibrado sobre o que é ciência, o que são saberes complementares e como esses dois mundos se relacionam se torna essencial. A ciência é um campo construído sobre observações, hipóteses, testes, análises e revisões. Ela busca caminhos que possam ser replicados independentemente de crença, cultura ou religião. Um choque elétrico, por exemplo, acontecerá da mesma forma com um muçulmano, um ateu ou um umbandista. Isso confere objetividade e utilidade universal ao conhecimento científico. Por outro lado, práticas consideradas "não científicas" ou "holísticas", como massagens com aromaterapia, muitas vezes promovem bem-estar não apenas físico, mas também emocional e espiritual. Ainda que não passem pelos critérios rigorosos da ciência, sua eficác...

13 de maio...

A capoeira me deu mais vontade de conhecer a história do país e entender como ela era contada. O dia 13 de maio, por exemplo, sempre foi narrado como um momento de felicidade, como se fosse um ato de bondade de uma princesa para com um povo escravizado. Tudo balela — algo que hoje é evidente. Com o tempo, percebi como a história é contada por quem ocupa o topo da pirâmide social. Por mais que no terreiro — berço do samba, da capoeira, do candomblé — outras histórias fossem vividas e compartilhadas a partir de outro ponto de vista, essas vozes não tiveram o direito de ecoar amplamente. Foram silenciadas ou ignoradas. Curiosamente, hoje também se celebra o Dia dos Pretos Velhos — entidades da Umbanda que teriam vivido nesse tempo de escravidão e que, com suas vozes brandas e gestos simples, transmitem saberes profundos. Ao observar os dados do primeiro censo do Brasil, realizado em 1872, ainda no Império, temos uma dimensão cruel da realidade: a população total era de cerca de 10 milhões...

A Relativização do Bem e do Mal

Quando tudo parece relativo, surge a dúvida: como viver em grupo, tomar decisões e aplicar justiça sem uma base comum? Mesmo que valores possam variar entre culturas, existem princípios quase universais — como o exercício da empatia: “o que eu não gostaria que fizessem comigo, também não devo fazer com o outro”. Esse simples raciocínio já é um ponto de partida para a convivência. Quando alguém comete um ato que fere essas bases de respeito, o grupo social reage, normalmente por meio da punição. Essa punição deveria ter como foco não apenas o isolamento, mas a reorganização do indivíduo para que ele possa retornar ao convívio social com mais consciência e responsabilidade. Para isso, uma premissa é fundamental: é preciso acreditar que as pessoas podem mudar. Mas a realidade é complexa. Nem toda mudança é simples ou rápida. E há casos que exigem atenção ainda mais cuidadosa, como indivíduos diagnosticados com transtornos psiquiátricos de risco social, como psicopatia ou transtorno de per...