Nossa busca por compreensão emocional começa no nosso próprio hardware: o cérebro. Condições como o Transtorno do Espectro Autista (TEA) nos mostram que a desregulação comportamental nasce de diferenças estruturais na conectividade neural e no processamento sensorial. O comportamento atípico, aqui, é geralmente involuntário, uma reação a um mundo sensorialmente avassalador, não uma escolha intencional de causar dano.
No polo oposto da intencionalidade, temos o Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS). Aqui, a neurociência aponta para um déficit afetivo crucial. Indivíduos com TPAS frequentemente exibem hipoatividade do Córtex Pré-Frontal e diferenças na Amígdala, a região cerebral ligada ao medo e ao remorso. Eles compreendem cognitivamente as regras sociais e a dor que causam, mas a ausência do "freio" emocional lhes permite escolher o comportamento predatório ou manipulador para benefício próprio. A sociedade, portanto, estabelece a distinção: o cérebro pode explicar a predisposição, mas a responsabilidade moral recai sobre a capacidade de escolha consciente.
Essa distinção moral se torna ainda mais complexa ao olharmos para a saúde dos nossos laços afetivos. O conceito de codependência surgiu em um contexto inicialmente construtivo: o Movimento de Recuperação de Vícios (grupos como Al-Anon, para famílias de alcoólatras, nos anos 40 e 50). A codependência descrevia o padrão da pessoa que se tornava obsessiva em controlar, resgatar e curar o viciado, anulando-se no processo.
A escritora Melody Beattie popularizou esse conceito nos anos 80, especialmente com seu best-seller "Livre de Codependência". Beattie, que teve uma vida marcada por traumas e vícios, deu voz a milhões de pessoas, particularmente mulheres, que haviam sido socializadas para o papel de cuidadoras e mártires. Seu trabalho ofereceu uma rota de fuga essencial: a permissão para desviar o foco do outro para si mesmo, garantindo a autonomia pessoal.
Contudo, essa poderosa ferramenta de autoajuda sofreu um "tiro pela culatra" relacional ao ser popularizada e generalizada. A crítica sociológica e psicológica argumenta que, ao se tornar um termo pop, a codependência começou a patologizar o comportamento normal e saudável.
O conceito foi usado para rotular qualquer tipo de interdependência mútua, sacrifício temporário ou desejo profundo de conexão como algo doentio. O esforço genuíno para ajudar um parceiro em crise, ou o sentimento de tristeza profunda por uma separação, passa a ser rotulado como "dependência emocional" ou "falta de limites".
Essa patologização exagerada gera uma distorção na nossa bússola relacional. O medo de ser visto como "dependente" ou "tóxico" leva as pessoas a buscar a autossuficiência fria e a manter distância afetiva.
O resultado é a proliferação do utilitarismo afetivo, em que o indivíduo passa a encarar amigos e parceiros primariamente como recursos sociais a serem usados para satisfazer necessidades específicas (o colo, o entretenimento, a ajuda prática) e descartados quando a conveniência acaba. Esse comportamento, que imita a disfunção do TPAS, só é diferente porque, no isolamento, a pessoa sente o remorso e a solidão. No entanto, ela rapidamente retorna à fachada de indiferença, pois a cultura lhe ensinou que esse é o único caminho para a "segurança" emocional.
Resgatando a Responsabilidade Mútua
Para fugir desse ciclo destrutivo, precisamos de uma reorientação do afeto.
Não podemos confundir a responsabilidade subjetiva (o trabalho de curar a si mesmo e mudar padrões repetitivos) com a responsabilidade pela culpa do outro. O objetivo não é ser frio ou aprender a "usar" os outros para levar vantagem. O objetivo é ter a coragem de rejeitar o modelo utilitário.
A saúde relacional exige a negociação de limites. Não se trata de censurar a autenticidade, nem de forçar alguém a ignorar sua dor. O amor maduro requer que o indivíduo que tem o poder de evitar a dor se adapte, enquanto o receptor valida o custo dessa adaptação.
A cura reside em abraçar a interdependência como uma força, rejeitando o individualismo tóxico. É preciso compreender que o vínculo real implica o risco consciente da vulnerabilidade e a escolha diária de valorizar a reciprocidade e o cuidado autêntico acima da conveniência e da segurança do isolamento.
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